Entrevista com o Tutinho 2005

Entrevista com o Tutinha, revista TRIP Edicao n° 135 - Julho 2005.
Sabia que Roberto Marinho tinha 60 anos quando fundou a TV Globo? Antonio Augusto Amaral de Carvalho sabe. Tutinha, como todos o conhecem, é executivo todo-poderoso do rádio brasileiro e um dos nomes mais temidos pela indústria fonográfica nacional. Tem 49 anos. Aos 20, montou a Jovem Pan FM e tratou de fazer dela uma gigante da FM - hoje contando 50 afiliadas. É sucessor natural do pai, Antonio Augusto Amaral de Carvalho, o Tuta, no posto de diretor-presidente do grupo Jovem Pan, que envolve outras 70 emissoras AM. Mas o fato de ele estampar pela segunda vez as Páginas Negras [a primeira foi em 1995] é por conta de uma aventura que ele começou aos 47 anos: o Pânico na TV, adaptação do talk show Pânico, líder de audiência há uma década na FM.
Durão
A fama do homem é de mau. Chefe intempestivo, executivo estressado, negociador durão. Casado pela terceira vez, ele mora com a mulher, Nádia, e três enteados. Tem três filhos, todos do primeiro casamento, com idades entre 14 e 20 anos. Ao longo das três horas de conversa, fala de sonhos e arrependimentos de forma desconcertantemente franca: "Sou um empreendedor. As pessoas assim são mais infelizes, mas são elas que fazem as coisas".
Ao passar a limpo o currículo, revela que, antes de ser homem de rádio, foi moleque faz-tudo na TV. Seu avô, pai do velho Tuta, era o célebre Paulo Machado de Carvalho, apelidado "Marechal da Vitória" depois de chefiar a delegação brasileira na Copa de 1958 e eternizado no nome oficial do estádio do Pacaembu. Não seria errado dizer que Tutinha é neto do Pacaembu. O avô Paulo foi também um dos pioneiros da televisão no Brasil: fundou a Record em 1953. Em 1965, quando a Globo de Roberto Marinho ensaiava os primeiros passos, a emissora do Marechal produzia Jovem Guarda e O Fino da Bossa.
"Eu fazia a produção da Hebe com um monte de gostosas, ficava o dia todo na TV vendo mulheres peladas, bebendo, jogando snooker... Eu ia lá querer estudar?" Ao fundo, Tutinha e colegas de trabalho nos anos dourados.
Tutinha chegou nessa festa atrasado, mas nem tanto. "Peguei o final da Família Trapo [com Ronald Golias e Jô Soares], Hebe... Fiz direção de TV, fui câmera, fiz áudio e luz, organizei trilha de novela. A Record vinha numa linha decadente naquela época [começo dos anos 70] e, depois que meu pai saiu, fui montar a primeira FM da Jovem Pan. Programava Billy Eckstine, Peggy Lee, eu manjava de jazz pra cacete!"

A secretária interrompe no viva voz: "Tutinha, é o Rodrigo Navarro [diretor-comercial do SBT]". Toca o telefone, ele tira do gancho e desliga. Segue a entrevista, toca de novo, Tutinha tira o fone do gancho e desliga. Mais um minuto, toca de novo, ele tira do gancho novamente e, num gesto impaciente, deixa o aparelho jogado no chão. Depois sorri, cúmplice, para o repórter. Um doce de entrevistado.
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Trip Você esperava que o Pânico na TV fosse dar tão certo?
Tutinha Os índices que temos hoje, eu realmente não esperava. Mas há 12 anos o Pânico está no ar na rádio Jovem Pan FM e há 12 anos é primeiro lugar. Por isso foi que eu pensei: "Porra, vamos fazer esse programa na TV". Fiquei um ano tentando. Fui ao SBT, falei com o Guilherme Stoliar [superintendente-comercial do SBT], que é meu amigo, e ninguém quis. Falei na Gazeta e até naquela Rede Vida. Não quiseram. Fui à Bandeirantes, falei com a Marlene Mattos, e ela me deu canseira. Disse que queria, depois muxibou. Era um projeto muito barato: 70 mil. Mas ela ficou jogando e no final eu arrumei sozinho um patrocínio: cheguei na Vivo e vendi. A Rede TV! não queria, mas eu entrei já com a grana. Na primeira semana, já tivemos uma audiência anormal. Levamos os ouvintes da Jovem Pan para a TV. 
Em 84, você apareceu numa reportagem da Veja citando pessoas que estavam fazendo uma revolução no rádio. O Pânico hoje é uma revolução na TV?
Conseguimos quebrar os padrões. O Faustão hoje é insuportável. Com todo o respeito, ele é meu amigo e um superprofissional. Mas o formato do programa dele não dá: pega um cara e fica 30 minutos falando do cara. O programa do Gugu: duas horas conversando com uma pessoa, depois vêm a mãe, a tia... Insuportável. Não é a minha opinião, é a opinião de todo mundo! E aí vem o Pânico fazendo um negócio descontraído, fica mais verdadeiro. Não é que o programa tenha roteiro: os caras não batem bem mesmo! O Vesgo não bate bem, o Ceará não bate bem, ninguém bate bem...
Sua inspiração para criar o Pânico na Jovem Pan foram os talk shows do radialista americano Howard Stern?
No começo dos anos 90, ele se destacava muito nos Estados Unidos. As rádios estavam sempre querendo comprar o ouvinte com prêmios, dando ingressos, camisetas, sorteando coisas. E o Howard fazia o contrário. Dizia para o ouvinte "ah, não enche o meu saco" ou "pô, toma vergonha e compra o ingresso!". Ele quebrou paradigmas, assim como o Big Boy [DJ "malucão" dos anos 70]. Djalma Jorge, personagem que eu criei, também rompia com o comportamento dos locutores. E a idéia que tive pro Pânico era parar de puxar o saco do ouvinte, fazer perguntas para as pessoas que ninguém faria. 
Então essa atitude já estava nos programas que você fazia na Jovem Pan na virada dos anos 70 para os 80, como o próprio Djalma Jorge Show?
De certa forma. E isso vem de antes até: quando tinha uns 17 anos, eu já fazia um personagem chamado Mike Nelson, bem nessa linha. Mas fiz o Djalma sempre com o Emílio [Surita, apresentador do Pânico na TV]. Ele é que é a cabeça do Pânico. Trabalha há quase 20 anos na Joven Pan, é praticamente doninho da rádio. Juntos, nós dois praticávamos essa coisa de falar besteira no ar. Muita coisa do Pânico na TV vem direto do Djalma Jorge, a locução em off do Emílio, por exemplo. Outro dia mesmo eu estava comentando com o Luciano Huck que aquilo é imbatível! O Emílio é um puta craque, trabalha pra burro, fica até as 3h da manhã editando. Sem desmerecer o talento do resto da equipe, ele é o maior responsável pelo sucesso do Pânico.
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Seria possível fazer o Pânico na Globo?
Acho que seria impossível. Só vejo a Globo pegando o Pânico se fosse para embalsamar. Fizeram isso com muitas pessoas, historicamente.
Como foram as negociações com o Silvio Santos?
Na conversa com o Silvio foi colocado que teríamos independência total. E o horário estaria em contrato, só poderia ser mudado se a audiência baixar. Todo mundo tem medo de ir pro SBT porque o Silvio muda os programas de horário. Ele é muito objetivo. Eu perguntei: "Silvio, você mudaria o programa de horário?". Ele falou: "Se não der audiência, eu mudo mesmo". Eu gosto de saber a verdade.

Como está a relação da rádio com as gravadoras agora, com elas em crise? Acabou o Jabá?
Jabá não existe, pelo menos na minha rádio nunca existiu. Tudo é ação de marketing, feito com nota fiscal, pagando imposto de renda. Dou anúncio para as gravadoras, tudo certo. Mas hoje elas pararam de investir em música. A rádio se diversificou, vende cross media, tem um departamento grande de eventos. Mudou muito o negócio do rádio, já não é dependente de gravadora. A rigor, nunca foi. A gravadora era uma grana a mais que entrava. Hoje essa grana praticamente acabou. 
E eles precisam mais de você hoje em dia?
Sem a Jovem Pan, não estoura música no público jovem AB. Se não tocar com a gente, não estoura. A não ser que entre em novela.
Como você avalia o pop rock brasileiro de hoje?
A música nacional de moleque hoje é muito ruim. CPM22, Charlie Brown, tudo cheio de palavrão, é horrível! Não tem mais poesia! Porra, assim a música brasileira vai pro saco. Quem vai querer ouvir "Zóio de Lula" [do Charlie Brown Jr.] daqui a dez anos? Isso é uma Merda, eu sinceramente acho isso uma merda! É preciso fortalecer um movimento paralelo, com artistas como Vanessa da Mata, Luciana Mello, com mais delicadeza. E está cheio de jovem de classe AB ouvindo samba. O moleque não tem o preconceito que o radialista tem. 
Na entrevista que deu à Trip em 1995, você disse que sua saúde era muito ruim e que tomava remédios pra dormir. Ainda toma?
Ainda tomo. Pô, nem sabia que desde 1995 eu tomo isso! Que horrível, hein? Tomo Rivotril, que é fraco, mas não são todas as noites. Eu sou hiperativo, né? É, a saúde continua péssima. Tenho asma, gastrite, essas coisas de cara estressado... Mas tudo sob controle, nada grave.
Com tantas realizações profissionais, chegando perto dos 50 anos, você não tem vontade de fazer algo pela sociedade, pela cultura brasileira?
Hoje mesmo estava conversando sobre montar um teatro só para bandas novas. De todos os estilos, do hip-hop à bossa nova. Eu me cobro todos os dias. Quero fazer coisas pra ajudar os outros. Se alguém tiver alguma idéia e precisar da rádio para fazer um projeto bacana, tamos aqui. Depois eu deixo o e-mail. Me ligar, não! [risos]. Senão vai ligar um milhão de pessoas. A Jovem Pan tem obrigação de fazer mais pela comunidade. Eu quero ser menos dinheirista! Parece demagogia, mas é verdade. Vejo o sucesso da rádio e do Pânico , tudo o que a gente faz, aí falo: "Caceta, que é que eu tô fazendo pros outros? Grande merda tudo dar certo e não fazer nada pros outros!". O Brasil é um país pobre, com essa divisão de renda sacana, governos corruptos. É um país ruim, com pessoas muito boas.
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